O REI DO TEMPERO DE ALENQUER
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| Fotos: Silvan Cardoso |
Aquele senhor que vende pimenta e coloral no seu carrinho de madeira, na travessa Arnaldo Moraes, no Centro do município de Alenquer, não está por lá há pouco tempo. Quieto em seu canto, o vendedor de temperos mais famoso da cidade guarda nas suas lembranças os longos tempos de luta e persistência.
Edilson
Lages da Conceição nasceu na comunidade Vila Barbosa, região do Paranã, no dia
7 de janeiro de 1962. Na época, essa comunidade ainda pertencia a Alenquer. Só
a partir da década de 1990 que passou a pertencer Curuá, que antes fora vila de
Alenquer, mas que naquela década seria elevada à categoria de cidade.
É
o primogênito de um total de oito filhos do casal Euclides Corrêa da Conceição
e Terezinha dos Santos Lages, também moradores da comunidade Vila Barbosa. Como
qualquer residente de um pequeno lugar como esse, precisou encarar os duros
desafios que a vida lhe fornecia.
Edilson
nunca frequentou uma escola e nunca teve um ensino formal. Na sua infância, aprendeu
apenas a ler e a escrever o seu nome. Lembra que a professora que lhe deu as
primeiras instruções se chamava Darcy, também moradora da comunidade. Ela ensinava
somente o básico, numa época que não existia nenhuma estrutura escolar na
comunidade.
A
infância e juventude no roçado e na pescaria
Não tinha outro caminho: precisava trabalhar desde cedo para ajudar no sustento da família. Logo começou a trabalhar no roçado de seu pai, onde, entre muitos alimentos e produtos, plantou feijão, melancia e juta. Sua adolescência e parte de sua juventude aconteceu nessa rotina intensa.
Além
de trabalhar na agricultura, Edilson foi também pescador. Pescava
principalmente com malhadeira e espinhel. Pegava a sua canoa e passava entre
quatro e cinco dias longe da família, pescando entre os rios e lagos nas
proximidades da comunidade, principalmente na região do Lago Grande.
Era
uma rotina comum na época, mas perigosa e que preocupava os familiares. Afinal,
por dias não existia nenhum tipo de comunicação e todos ficavam na expectativa
do seu bom retorno e que fosse chegar à sua casa com uma boa pescaria.
Contudo,
o jovem pescador Edilson sempre voltava e, em muitas oportunidades, com
bastante peixe, para a felicidade de todos que o aguardavam. Como não tinha
onde refrigerar o que fora pescado, todos os peixes eram salgados e levados
para os comércios para vender. Um desses comércios que ele levava os peixes era
do senhor Juca, também morador da comunidade Vila Barbosa.
Problema
de saúde e sua ida para a cidade
Em
1987, quando ele tinha 25 anos de idade, Edilson sentiu fortes dores da região
da barriga. Essas dores incômodas estavam se tornando preocupantes, pois não
havia remédio que resolvesse aquele problema ou minimizasse a situação.
Foi
o jeito pegar uma canoa e seguir para Alenquer, onde poderia receber
atendimentos melhores e mais adequados. Chegando lá, foi internado no hospital
Santo Antônio. Assim que passava, recebia alta, mas logo as dores voltavam e
ele novamente era internado no hospital.
Por
três vezes ele foi internado, mas ninguém conseguia revolver o problema das
fortes dores que ele estava passando. Dr. Zezinho, também conhecido como Zé
Bode, foi a pessoa que disse que não trataria dos problemas de saúde que ele
estava tendo, mas que o ajudaria a procurar melhores recursos em outra cidade.
Assim,
Edilson e Zé Bode foram para Santarém, onde teria mais profissionais e melhor
estrutura, para finalmente tratar do que estava sentindo. Foi apresentado a um
médico, chamado dr. Gilmar, que o consultou, fez os exames necessários e
descobriu que estava com problema nos rins.
Sabendo
do que se tratava, fez todo o tratamento recomendado por dr. Gilmar e ficou na
casa de um tio seu em Alenquer, até que fosse melhorar. Foi morando na casa do
seu tio que conheceu uma vizinha que morava numa casa ao lado. Interessou-se
por ela e procurou conhece-la.
A
companheira que o fez permanecer em Alenquer
Não
tinha mais interesse em voltar à Vila Barbosa. Tratou-se na casa do seu tio e
passou a se relacionar com sua vizinha. Assim que melhorou da saúde, juntou-se
com ela e decidiu morar em Alenquer.
Seu
primeiro trabalho na cidade foi “na juquira”, ou seja, passou a trabalhar
roçando em vários terrenos de muitas comunidades da Colônia Paes de Carvalho.
Ganhava na diária, mas recebia um valor muito pequeno. Trabalhava naquele
serviço somente por necessidade, pois continuava insatisfeito. Entendia que
poderia conseguir muito mais.
Vendendo
temperos na porta do Mercado
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| Seu Edilson sentado no cantinho onde começou a vender seus primeiros temperos. |
Edilson
observava que no Centro da cidade a venda de tempero era somente dentro dos
comércios. Isso despertou nele o interesse de trabalhar com venda de tempero,
que era um produto comercializado por poucos. Decidiu, então, colocar em
prática o que estava planejando.
Primeiro,
comprou pimenta e colorau em estado bruto. Por conta própria, moeu os temperos,
fez os preparos necessários e encheu em 20 pacotinhos. Colocou tudo numa sacola
e se dirigiu até o Mercado Municipal. Vendo que só vendiam temperos dentro do
Mercado, decidiu vender fora.
Sentou-se
ao lado de uma das portas de entrada, espalhou sua mercadoria na calçada e
esperou que aparecessem clientes. Sua estratégia era vender primeiro que os
comerciantes, que, como antes dito, ficavam no interior do prédio.
Rapidamente
apareceram clientes, que se agradaram do seu tempero e foram comprando. Ao
invés de entrarem no Mercado Municipal, já compravam do Edilson, que, esperando
do lado de fora, facilitava para quem ainda precisava entrar para fazer a
compra.
Para
a sua alegria, vendeu quase todos os temperos no primeiro dia. Aquilo o motivou
para que fizesse mais temperos e os vendessem nos dias seguintes. Estava tendo
muitas saídas e estava conseguindo bons rendimentos em dinheiro.
Edilson
era estratégico e vendia primeiro e muito mais que os comerciantes que tinham
seus boxes dentro do Mercado Municipal. Estava sempre naquele mesmo lugar, ao
lado da porta de entrada, vendo o vai e vem das pessoas, que iam para aquele
prédio comercial em busca de atendimento.
Sua
mulher o ajudava na produção dos temperos. Não tinha outra coisa melhor para se
fazer. O dinheiro estava entrando e aquilo fez com que eles conseguissem muita
coisa na vida deles. Finalmente estavam tendo uma boa renda para que eles
tivessem mais dignidade.
Rei
do Tempero: uma forma inovadora de comercializar

O colorau comercializado há décadas pelo próprio vendedor no Centro de Alenquer.
Em
1989, Edilson teve outra ideia: construir um carrinho de madeira, onde ele
pudesse organizar a sua mercadoria. Não existia nada parecido até então com o
que ele tinha idealizado. Construiu o seu carrinho e o batizou de “Rei do
Tempero”. A ideia do nome era só para chamar a atenção dos clientes, que deu
certo!
Por
gostar de usar bigode, foi chamado pelos conhecidos de “Bigode” ou “Bigodinho”.
Mas o nome colocado no carrinho fez com que as pessoas o chamassem também de
“Rei do Tempero”. Sua popularidade já estava ficando notável. Um importante
comerciante, um grande personagem ximango.
Além
de vender temperos no varejo em seu carrinho, passou a vende-los também no
atacado. Tratou de preparar cartelas de temperos. Colocava 20 cartelas dentro
de uma caixa de tomate, colocando a caixa nas costas e saindo para vender nos
comércios de Alenquer.
Conforme
foi vendendo seus produtos, comprou a sua primeira bicicleta. Foi vendendo,
lucrando e, tempos depois, conseguiu comprar outra bicicleta. Organizou as suas
finanças, juntou dinheiro, comprando até uma motocicleta para o seu conforto e
também ajudar nas entregas das mercadorias.
Uma
experiência vivida por toda família

Além de temperos, outros produtos são vendidos pelo seu Edilson.
Edilson
teve cinco filhos com sua esposa. Todos os cinco tiveram a experiência de
ajudar o pai na venda com o carrinho Rei do Tempero. Os filhos já adquiriam, a
partir de seis anos de idade, uma experiência que os ajudou na boa criação e
refletiu de forma significativa na vida profissional de cada um.
Outros
carrinhos foram construídos e muitos temperos foram produzidos. É o precursor
em Alenquer desse tipo de venda. Contratou pessoas para trabalhar com ele,
sempre com sua esposa e seus filhos o ajudando, fosse no carrinho ou na entrega
das cartelas nos comércios da cidade.
Hoje
em dia, dois filhos seus moram em São Paulo, um sendo chef de cozinha e outro
funcionário de uma grande empresa. Uma filha mora em Minas Gerais e duas moram
em Alenquer. Dessas duas, uma já é casada e outra é acadêmica de administração
na Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
Sempre
organizado, Edilson comprou um terreno e, aos poucos, construiu a sua casa
própria, onde mora até hoje. Ao longo de quase quatro décadas, com o próprio
suor, ergueu o seu patrimônio. Quem o vê sentado na calçada, vendendo produtos
variados em seu carrinho não imagina a dimensão do que viveu o Rei do Tempero
de Alenquer.



Um verdadeiro exemplo.
ResponderExcluirCom certeza. Gratidão!
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