IDALICE DE JESUS, A PRIMEIRA - E ÚNICA - CATRAIEIRA DE ALTER DO CHÃO

por Silvan Cardoso
Fotos: Silvan Cardoso - Idalice de Jesus, a única catraieira que trabalhou em Alter do Chão

Idalice rema com firmeza e sempre sorridente nas entranhas da Floresta Encantada, na comunidade Caranazal, município de Santarém (PA). Seu carisma chama atenção das pessoas, que a veem na sua função, que é exaustiva, mas, ao mesmo tempo, bela. A história de Idalice é única e que merece ser eternizada.

Idalice Costa de Jesus nasceu no distrito de Alter do Chão, município de Santarém (PA), no dia 25 de julho de 1971. É a terceira de um total de oito filhos do senhor Itaguary Garcia de Jesus e de dona Nazaré Sousa Costa. Para complementar a família, o casal ainda adotou mais um filho, chegando ao total de nove filhos.

A jovem sempre foi uma menina inquieta e que procurava fazer as coisas. Não gostava de ficar parada, tendo em mente que as suas conquistas dependeriam das suas atitudes. Na adolescência e juventude foi uma borari determinada, nunca tendo vergonha de encarar os desafios.

Na adolescência teve seus primeiros trabalhos na roça. Lá, junto de seus pais e irmãos, atuava na produção de farinha e onde também se embrenhava nos seringais para a extração do látex. Cada missão a ela incumbida era aceita, com a certeza de que Idalice cumpriria o dever, por conta de sua dedicação e porque ele tinha objetivos para a sua vida.


Por conta própria, trabalhava na catraia do seu pai

Idalice nunca fez registro fotográfico quando foi catraieira.

Desde pequena foi ensinada a ganhar seu próprio dinheiro e foi a partir desse pensamento que ela foi desbravando em busca dos seus interesses. Mas também ela estudava e tinha que conciliar estudos e trabalho, para que em nenhum desses dois ela pudesse faltar.

Seu pai, seu Itaguary, tinha uma das catraias usada para atravessar da orla de Alter do Chão até a ilha do Amor. Ousada, ainda na adolescência, ia até a catraia do pai e começava a trabalhar. Hábil nos remos de faia, Idalice realizava um feito até então inimaginável na vila: tornava-se a primeira mulher catraieira da história!

Aquilo nunca tinha acontecido, num ambiente dominado pelos homens. Mas ela não se intimidou. Fazia o seu serviço sem nenhum problema, focada no trabalho, certa de que o faria da forma correta. Claro que aquilo não deixava de ser algo incrível. Imagina uma menina trabalhando no meio de uma multidão masculina!

Idalice trabalhou numa época em que as catraias ainda não eram numeradas, não tinham nomes e nem seguiam um padrão como é nos dias atuais. Cada catraieiro tinha que ser esperto para conseguir os seus passageiros. Não existia uma ordem por viagem. E ela seguia firme nessa empreitada.


Estudos, mudanças e trabalho: a catraieira e seu destino incerto
A canoeira tem uma longa experiência em atividades com remos.

Enquanto estudante, a jovem ia para a escola de manhã e catraiava à tarde. Quando não tinha aula, passava o dia inteiro catraiando, em busca de ter seu dinheiro. Uma rotina bastante exaustiva, mas que, no fim das contas, era satisfatório porque tinha os seus próprios ganhos.

Mas ela apenas concluiu o ensino fundamental. Não continuou os estudos. A escola Antônio de Sousa Pedroso, hoje escola Borari, não seria mais frequentada por aquela adolescente determinada, que pensava muito além do que a escola fornecia para ela.

Porém, seus dias na catraia já estariam contados. Como eles moravam no bairro central da vila, era fácil descer até a margem do rio e começar a trabalhar. Mas seu Itaguary gostava de se mudar de casa. Fez mudanças, sempre indo cada vez mais longe da margem do rio, até que se tornou inviável para ela ir catraiar.

A última mudança foi para a comunidade Caranazal, onde a família mora atualmente. Idalice não participou mais do trabalho em que ela fez história, mas ficou na memória de quem a viu trabalhar bastante, sob o calor do sol e encarando a força das maresias.


Canoeira da Floresta Encantada
Idalice é também a primeira canoeira - e única atualmente em atividade - da Floresta Encantada, na comunidade Caranazal.

Em 2001, seu Itaguary descobriu aquela área alagada de vegetação na comunidade Caranazal, que seria batizada de Floresta Encantada, onde, a bordo de uma canoa, o visitante conhece as belezas fascinantes do lugar.

Seu Itaguary chamou a sua filha e perguntou se ela gostaria de trabalhar na Floresta Encantada. Prontamente ela aceitou. Logo, ela buscou conhecer a rota dos passeios dentro da vegetação, onde trabalha desde 2001, ou seja, há 24 anos. Sua prima Marilene ainda trabalhou como canoeira, mas por pouco tempo.

Idalice continua, sendo a única mulher em atividade, quebrando barreiras e mostrando que a mulher também pode estar em desafios como esse. Ela sempre encarou e ainda encara, sem medo e com determinação. Idalice de Jesus nunca se casou e cuida de sua filha, adotada com muito amor.


Espaço aberto para as mulheres nas catraias

A história da borari é um verdadeiro exemplo de conquista e superação.

Embora seja rara uma catraieira, tendo existido somente uma em toda a história, a Associação de Catraieiros da Vila de Alter do Chão (ACVAC) informou que as mulheres não são proibidas de atuar na função. Na verdade, existe até o incentivo, para que mulheres façam parte dessa atividade.

Apesar disso, a ACVAC comunicou que existem mulheres associadas e que suas contribuições ajudam todos esses trabalhadores. Mesmo assim, elas sempre terão espaço entre as 100 catraias existentes e que isso nunca será negado a elas.

Idalice de Jesus ficou pouco tempo catraiando. Ela mesma diz não lembrar quando iniciou e quando terminou nessa função, pois ela afirma que seu foco estava no trabalho e não na contagem de tempo. Mas a sua passagem é uma lição e inspiração para muitas pessoas, seja homem, seja mulher.

Se muita gente não sabia dessa história, agora já está conhecendo. Se alguém tinha alguma dúvida, já não existe mais. Ela que muitas vezes atravessou remando naquela praia e que tantas vezes ajudou nas cerimônias do Sairé. Um relato que está eternizado neste escritos e que sempre deve ser guardado com carinho nas lembranças.

Fonte: Entrevista cedida por Idalice de Jesus (primeira e única catraieira de Alter do Chão).

Fotos da Floresta Encantada, onde Idalice trabalha atualmente:








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