QUAL A ORIGEM DA PALAVRA "ALENQUER"?
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| Foto-montagem: Silvan Cardoso |
No ano de 1758, a missão Surubiú seria chamada por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador da província do Grão-Pará, pelo topônimo “Alenquer”, um nome vindo de uma localidade portuguesa.
Historiadores locais,
baseados em pesquisas, afirmam que Mendonça Furtado não elevou de fato a missão
Surubiú à categoria de vila por não haver, na época, comprovação da quantidade
de pessoas que moravam no local.
Mesmo assim, a proposta do
governador em elevar o lugar à categoria de vila e o uso do termo “Alenquer”
foi feita pelos próprios moradores. Colocaram-se num outro patamar geográfico-político
e, desde então, o nome ficou.
Contudo, qual a explicação
para a origem da palavra “Alenquer”? Certamente que
não começou no Brasil, mas lá em Portugal, muitos séculos atrás. E não é apenas
uma explicação, são mais, o que se torna uma história ainda mais interessante.
Alenquer de Portugal
Em Portugal existe a vila de
Alenquer, com uma história que remonta muitos séculos. O lugar é de origem
árabe, ocupado por povos mulçumanos, tendo vivido épocas diferentes, dominado
por diversos povos nômades, até ser finalmente conquistado no século XII por d.
Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, que governou o país entre 1143 e
1185.
Alenquer de Portugal (Foto: Reprodução)
No ano de 1212, a vila recebeu
carta foral, um documento emitido por uma autoridade, concedendo-lhe um grau de
autonomia, considerado este o ano de sua fundação. A autoridade que concedeu a
carta foral teria sido d. Sancha, rainha de oposição ao seu irmão d. Afonso II,
que também governava o país lusitano no mesmo tempo que ela. Ambos, que andavam
brigados, eram filhos do rei anterior, Sancho I.
Antes do período de reinado
dos dois irmãos (D. Afonso II teria governado Portugal de 1211 a 1223 e d.
Sancha teria governado de 1212 a 1229, ou seja, praticamente no mesmo período),
a Alenquer lusitana foi dominada por povos como os romanos, vândalos, suevos,
visigodos, alanos, entre outros.
Há fontes que afirmam que
sob o domínio romano chegou a ser chamado de Jerabrica ou Ierábriga. Mas foi
sob o domínio dos alanos que nasceria a atual denominação do lugar.
Origem do nome vinda dos Alanos
Os alanos foram um povo
nômade de origem iraniana, que realizaram inúmeros ataques em várias povoações,
inclusive do Império Romana, no qual tiveram grandes conquistas.
Reprodução artística de um alano. (Foto: Reprodução)
Dominavam os cavalos e
tinham habilidades que os fizeram alcançar muitas vitórias em batalhas. O
surgimento dos alanos é normalmente datado no início do século IV.
Mas eles também tiveram os
seus momentos de derrota: foram vencidos em conflitos com os hunos no ano de
370. Tempos mais tarde, por volta de 426, uniram-se com os vândalos.
Contudo, antes da união com
os vândalos, os alanos teriam refundado a vila de Jerabrica (ou Ierábriga),
colocando outro topônimo: Alan-Kerk, no qual “Alan” teria o sentido de “alanos”
e “Kerk” significaria “templo”, ou seja, “templo dos alanos”.
O topônimo teria sido
confirmado e aceito pelo historiador português e alenquerense Damião de Góis,
que viveu no século XVI. As grafias do nome primitivo variam, pois há muitas
formas que entram nessa lista de nomes da localidade.
As diferentes versões de
nomes do local
Muitas versões dos nomes
anteriores a “Alenquer” surgiram, de acordo com as fontes existentes. Como a
região foi dominada por muitos povos, há a possibilidade desses nomes terem
sido de fato reais.
Não que esses nomes tenham
sido de fato verdadeiras, pois para isso cabem estudos necessários. Mas são
hipóteses que tornam essa história mais atrativa e interessante para o
conhecimento popular, dos estudantes e dos estudiosos.
Com os alanos, além de
“Alan-Kerk”, que significa “templo dos alanos”, há também o termo “Alen Ker”,
que significaria “vontade do Alão”, relacionado à lenda de um cão, que veremos
neste texto, mais adiante.
Com os célticos, pode ter
surgido o topônimo “Aranker”, que significaria “junto ao rochedo”. Mas também
há um termo de origem árabe, o “Al-Anqur”, que significaria “a âncora”.
Há também topônimos de
origem mouro. Eram eles: “Alain-Keir”, que tem como significado “fonte abençoada”
e o termo “El-Hagem”, que significa “o Governador”.
Templo dos Alanos, de Flávio
Monteles

Livro de Monteles trata dos Alanos. Arte da Capa: Custódio Clodualdo Cardoso (Foto: Flávio Monteles)
O escritor brasileiro e alenquerense Flávio Henrique Monteles publicou em 2010 seu livro literário “Templo dos Alanos: A fantástica viagem pelo oeste do Pará”, no qual dá uma breve explicação do título, referindo-se ao significado do nome de Alenquer.
Monteles relata que com a
morte de um monarca português, lá mencionado pelo nome “Atacés”, duas
habitações teriam sido erguidas: Albuquerque e Jerábica. Para protegê-las,
foram erguidos muros, que seriam denominados de “Alenker-Kan” ou “Alão-Querque”,
ambos com o significado que daria título ao livro: Templo dos Alanos.
Flávio Monteles é imortal da
Academia Alenquerense de Letras (AAL), ocupando a cadeira 07, que tem como
patronesse Cleinilze Silva Lima.
Alão, um cão que realmente
existiu

Último cão Alão, de 1905. (Foto: Reprodução)
Além dos relatos históricos, há também as lendas que são elementos muito importantes das culturas luso-brasileiras, que têm como personagem central um cão em cada narrativa. Na lenda lusitana, o personagem é o cão Alão.
Diferente do que muitos
pensam, a palavra “Alão” não era o nome próprio do animal, mas sim de uma raça
extinta de cão, de origem iraniana, criada e desenvolvida pelos alanos. A raça
era adaptada para acompanhar os combatentes e o animal era utilizado como cão
de presa, para caçar animais de grande porte, como urso ou javali.
O cão da raça Alão teria
como parentes raças de cães como Pastor do Cáucaso Aborígene, Gampr, Alabai,
Alangu mastiff, Pshdar e o Mastim persa. Muitas outras raças surgiram do Alão,
como a British Alaunt (em português, Alão britânico), raça desenvolvida pelo
escocês David Brian Plummer, pensada para ser a reconstrução do seu antecessor.
O último Alão, dos alanos,
teria morrido em 1905, fazendo com que essa icônica e histórica raça canina
fosse definitivamente extinta.
A lenda do cão Alão, de
Portugal
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| Representação artística do cão na lenda portuguesa (Foto: Reprodução) |
A famosa lenda lusitana afirma que o rei de Portugal, d. Afonso Henriques, primeiro monarca do país, havia cercado a cidade dos mouros, fortemente protegida por muralhas. Na entrada das muralhas havia um cão grande e pardo, da raça Alão, e que estava naquele lugar para vigiar e defender a cidade.
Caso o animal percebesse a
aproximação de invasores, ao cão caberia a missão de avisar aos moradores da
cidade.
Entretanto, quando o animal
viu o rei português, ao invés de latir ou fazer qualquer tipo de sinal para
chamar a atenção dos mouros, anunciando que já havia os invasores por perto, o
cão não latiu e simplesmente comemorou a chegada dos desconhecidos.
O comportamento do cão foi
visto como bom sinal pelos invasores. Com isso, o rei ordenou o ataque aos
inimigos sem ter que encarar as muralhas, mas utilizando a entrada principal.
Nisso, com o apoio do cão, antes do ataque vitorioso, o rei teria dito a famosa
frase: “Alão quer!”. Desta frase, viria o topônimo “Alenquer”.
Brasão da Alenquer lusitana
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| Alão no brasão de Alenquer de Portugal (Foto: Reprodução) |
Curiosamente, no brasão de
Alenquer de Portugal existe a figura de um cachorro, justamente na parte de
baixo do desenho de um castelo. Pode-se interpretar que o castelo seja remetido
às construções antigas da cidade ou mesmo do lugar, que deveria ser protegido
pelo animal, mas que permitiu a entrada dos portugueses, para que eles
conquistassem o lugar.
De uma forma ou de outra,
mesmo se tratando de um relato sem comprovação, mas que se sabe que a raça
canina realmente existiu, percebe-se a importância do cão Alão na história e na
cultura da vila portuguesa.
A lenda do cão Além, do
Brasil

Ilustração no livro de Raimunda Brilhante. (Foto: Reprodução)
A lenda brasileira relata
sobre padres franciscanos, que atuavam na missão Surubiú, que tinham um cão
chamado Além. No caso desse animal, “Além” seria o seu nome próprio.
Certa noite, enquanto
dormiam, os padres ouviam latidos incessantes do cãozinho. Ficaram tão
incomodados com os latidos que que um deles disse: “Vai ver o que o Além quer!”
Chegando ao local onde ele
estava, viram que Além latia para uma imagem de Santo Antônio, tida como a
“verdadeira”, no tronco de uma árvore. A frase dita por um dos franciscanos deu
origem ao nome da cidade brasileira: “Alenquer”.
A lenda na obra de Raimunda
Brilhante
| Capa do livro icônico de Raimunda Brilhante. (Foto: Carlos Kleber Brilhante) |
A história do cão Além ganhou notoriedade com a professora e folclorista brasileira e alenquerense Raimunda Pereira Brilhante, que publicou em 2006 sua famosa obra “Viagem pelo imaginário popular”.
Na narrativa da escritora, o
padre era o frade Diniz, que além de ser o dono do cão Além, criava também um
gato. O franciscano morava atrás da capela que tinham construído, na margem do
rio Surubiú.
Durante uma madrugada
inteira, até o surgir da alvorada, o cão latia, gemia e rosnava, até que isso
incomodou o frade, que fez uma ordem ao sacristão Zé João: “Vai ver o que o
Além quer!”.
Zé João ficou admirado ao
ver que o cãozinho se prostava diante da imagem de Santo Antônio, no tronco de
um pé de jatobá. O sacristão imediatamente gritava para todos que se tratava de
um milagre. Mais tarde, sobre o tronco de jatobá, seria construído o altar-mor,
junto da igreja dedicada ao santo casamenteiro.
Viagem pelo Imaginário
Popular, de Raimunda Brilhante
| Raimunda Brilhante popularizou a lenda do cão Além na sua obra. (Foto: Carlos Kleber Brilhante) |
O livro é, até hoje, a melhor publicação de lendas locais. Na grande maioria, contém lendas genuínas de Alenquer do Pará, tido por muitos ximangos como o mais popular repositório folclórico da cidade.
Por quase duas décadas de
publicação, o livro ainda é referência de pesquisas nas escolas da cidade,
assim como utilizado para leituras em momentos de lazer e para conhecer mais
esse lado cultural do município.
A busca pelo exemplar é
frequente, especialmente na época em que acontece no município a Semana da
Consciência Histórica, quando professores e alunos das escolas locais realizam
uma “caça” ao livro. A autora, inclusive, é bastante solicitada para
entrevistas e registros.
Raimunda Brilhante ocupa a
cadeira 17 da Academia Alenquerense de Letras (AAL), que tem como patrono
Amadeu Burlamaqui Simões.
As lendas de Alão e Além no Jornal
de História de Alenquer (PA)
| Wildson Queiroz, editor do Jornal de História. (Foto: Reprodução) |
O professor e escritor Wildson Queiroz é editor do Jornal de História, existente tanto em formato físico como virtual. No dia 29 de fevereiro de 2016, o escritor fez uma publicação, tratando das duas, a lusitana e a brasileira.
Na publicação, o autor faz
comparações das duas narrativas, que têm suas importâncias, de acordo com suas
origens, e que não devem ser tratadas como algo factual, mas como histórias da
sabedoria popular.
As duas lendas mostram o
quanto as duas cidades de Alenquer têm de riqueza no ambiente folclórico, mesmo
uma sendo muito antiga que a outra, vindo do Velho Continente, e outra sendo
mais recente, nos confins da Amazônia.
Entre os topônimos “Alan-Kerk”
ou “Alain-Keir” e entre as frases “Alão quer!” ou “Vai ver o que o Além quer!”,
percebe-se a riqueza histórica e folclórica em torno de um único nome, que foi
sendo construído ao longo de séculos e gerações, até a permanência e
consolidação de uma única e poética palavra: ALENQUER!
Fonte:
·
Templo
dos Alanos: A fantástica viagem pelo Oeste do Pará (Flávio Monteles – Gráfica Tiagão – Alenquer, 2010);
·
Viagem
pelo imaginário popular (Raimunda Pereira Brilhante – Alenquer, 2006);
·
https://casarealportuguesa.org/cronologia-dos-reis-de-portugal/ (acessado em 14/11/2025);
·
https://www.facebook.com/share/1CjuZdMGh8/ (acessado em 18/11/2025);
·
https://incrivelhistoria.com.br/alanos-historia-caracteristicas/ (acessado em 14/11/2025);
·
https://www.castelosdeportugal.pt/castelos/CastelosSECXII/alenquer.html (acessado em 12/11/2025);
·
https://www.cm-alenquer.pt/pt/agenda/35993/reuniao-ordinaria-da-camara-municipal-de-alenquer.aspx (acessado em 18/11/2025);
·
https://www.infopedia.pt/artigos/$alenquer (acessado em 18/11/2025);
·
https://www.visitportugal.com/pt-pt/content/alenquer (acessado em 14/11/2025);







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